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Rio de Janeiro Monumental, Carlos Aeninshänslin, 1915

PALÁCIO MONSTRENGO

Quando se trata da demolição do Palácio Monroe, não há coluna do meio; a favor ou contra o empreendimento, as opiniões são sempre passionais. Atualmente, prevalece a condenação à derrubada por aqueles que a consideram um atentado ao patrimônio arquitetônico mundial e um crime contra a Cidade Maravilhosa. A revelação de alguns fatos pouco conhecidos talvez ajudem a reverter esta opinião.

O palácio foi construído em 1904 por Souza Aguiar para servir de pavilhão na Exposição Internacional de Saint Louis, nos EUA, e reconstruído em 1906 na Praça Marechal Floriano (Cinelândia, Praça Mahatma Ghandi), no Rio de Janeiro. Após ter abrigado diversos usos mais ou menos nobres, ficou semi-abandonado depois da transferência da capital para Brasília e foi demolido em 1976.

Pra que servia

Logo depois de remontada no Brasil, a construção sediou a 3a. Conferência Pan-Americana, durante a qual recebeu o nome de Palácio Monroe, em homenagem ao presidente americano. 

De 1907 a 1914, serviu como salão de festas da capital. Dentre as centenas de eventos realizados, houve um baile em benefício do Monumento à Virgem Imaculada, a Convenção Nacional da Associação Cristã de Moços, um banquete para a oficialidade da esquadra americana e até um chá dançante para jornalistas argentinos.

Em 1914, a Câmara dos Deputados mudou-se para o palácio, porém, foi obrigada a sair oito anos depois para acomodar a Comissão Executiva da Exposição Comemorativa do Centenário da Independência de 1922. 

Em 1923, o interior do palácio foi bastante modificado a fim de receber o Senado. Quando Getúlio Vargas fechou o Congresso, em 1937, o Monroe passou a abrigar o Ministério da Justiça, o Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP, o temido Departamento da Ordem Política e Social - DOPS e a Hora do Brasil. 

Em 1946, com o fim do Estado Novo, voltou a sediar o Senado, e após a mudança da capital para Brasília, em 1960, o edifício perdeu sua importância e ficou praticamente abandonado. Abrigava apenas uma parte do Estado Maior das Forças Armadas, alguns livros deixados pela biblioteca do Senado (no subsolo) e uma sala de reuniões para os senadores em passagem pelo Rio.

Razões ocultas

Nessa época, tão deterioradas estavam as instalações, que o povo começou a chamar o outrora suntuoso palácio de "monstrengo". Entre tantos imóveis abandonados ou subtilizados devido à transferência do Distrito Federal, o Monroe era um dos maiores exemplos de desperdício de recursos com a manutenção de representação federal (Exército e Senado) na ex-capital.

Em 1976, a demolição do palácio foi precedida de acirradas campanhas pela imprensa. As opiniões se dividiam pró ou contra a derrubada do prédio. Os motivos, para ambos os lados, versavam sobre apreciação estética, funcionalidade, valor histórico, concepção urbanística e até a passagem da linha do metrô pelo local.

Nos bastidores da resistência, estavam as poderosas incorporadoras que planejavam burlar a legislação específica para o local e levantar imensos edifícios de escritórios. Ironicamente, derrubar o Monroe pode ter mantido aquela área do Centro preservada de novos espigões.

Além dos "Sérgios Dourados" da vida, estavam de olho no imóvel o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura-CREA e seu coligado Clube de Engenharia, que pretendiam ocupar o imóvel para uso próprio - de graça, naturalmente. Foram eles os responsáveis por parte da polêmica e pelas "avaliações" do valor arquitetônico do prédio que colidiam escandalosamente com a opinião de renomados professores e especialistas não subordinados a estas entidades.

Também o Serviço Nacional de Teatro (que mobilizou a classe artística contra a demolição), O Museu do Índio e a Fundação Estadual de Museus (os pesquisadores), a Secretaria Estadual de Educação (professores e estudantes) e até a Justiça Federal (...) queriam o palácio.

Valores subjetivos

Apesar de tanta polêmica, não é fácil chegar a uma conclusão sobre o valor do Palácio Monroe como patrimônio histórico. A arquitetura era pobre e não tinha estilo definido; era uma mistura de traços designada sob o pomposo nome de "estilo eclético".

Tampouco se caracterizava o Monroe como antiguidade, não apenas por faltar-lhe velhice, como por ter sido deixado em tal estado de descuido que, em vez de ser designado como edificação antiga, foi denunciado como abandonado. No aspecto histórico, com a transferência das instituições e dos seus respectivos registros (a "história" em si) nada de significativo restou no palácio. 

O valor intrínseco do projeto e da obra também foi prejudicado: o palácio, no passar dos anos, foi completamente descaracterizado, principalmente na transformação em Senado. Segundo relato de um arquiteto da época, "só foram aproveitadas do antigo edifício as paredes externas, tendo sido dividido o mesmo de conformidade com as necessidades do Senado. (...) A fachada foi toda modificada, sendo tirados os excessos de ornatos, apenas pintados na cor de granito". Nem a originalidade restava. 

Então, fica a questão: por que não demolir o Monroe, um prédio abandonado, destituído de suas características originais, necessitado de uma caríssima reforma e que despertava a cobiça de entidades e construtoras? Até sua "eclética" beleza foi motivo de controvérsias - não era exatamente um Palácio de Versailles, não chegava nem mesmo aos pés do Palácio da Guanabara (edifício-sede do governo do RJ). E era pequeno, na verdade um palacete. 

A decisão de Geisel

Um dos fatores determinantes para que o presidente Geisel interferisse pela demolição do Monroe era a pressão contrária que começava a receber por parte dos próprios companheiros de farda, já que as construtoras mantinham relações muito estreitas com os militares no tempo da Ditadura e estavam ávidas por aquela nobríssima área. 

Certamente também pesou na decisão a necessidade de acabar com os símbolos das mordomias de antes da Revolução de 64, do qual o Senado carioca era um dos mais perfeitos exemplos - tinha até um requintado esquema de prostitutas oficiais, instaladas em dois andares no prédio em frente.

Entre as várias afirmações inflamadas contra a demolição do Palácio Monroe, uma versão mirabolante especula que o presidente Geisel teria sido preterido numa promoção no Exército, em favor do filho de Souza Aguiar (construtor do Monroe), e que por vingança pessoal mandara derrubar o palácio. E dá-lhe xingamento contra o milico, classificado como "destruidor do Rio" e coisas semelhantes. 

Esquecidos estão que foi o velho general quem salvou o Hotel Copacabana Palace de ser demolido pelas construtoras, que, como sempre, planejavam a construção de alguns milhares de apartamentos à beira-mar. O hotel sim, tem antiguidade, conservação, arquitetura, dimensão e história, tudo o que faltava ao Palácio Monroe. Mas, curiosamente, este ato tão importante de preservação não encontra espaço na memória carioca. Que injustiça! 

Recomendo a visita ao site http://www.nitnet.com.br/~rodcury/dissertacao/sumario.htm 
onde encontra-se um trabalho completo e imparcial sobre a demolição do Palácio Monroe, com fotos, simulações e animações inéditas. 
Celso Serqueira   e-mail do autor

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