PALÁCIO MONSTRENGO
Quando se trata da demolição do Palácio
Monroe, não há coluna do meio; a favor ou contra o empreendimento, as opiniões são sempre passionais. Atualmente, prevalece a condenação à derrubada
por aqueles que a consideram um atentado ao patrimônio arquitetônico mundial e um crime contra a Cidade Maravilhosa. A revelação de alguns fatos pouco
conhecidos talvez ajudem a reverter esta opinião.
O palácio foi construído em 1904 por Souza Aguiar para servir de pavilhão na Exposição
Internacional de Saint Louis, nos EUA, e reconstruído em 1906 na Praça Marechal Floriano (Cinelândia, Praça Mahatma Ghandi), no Rio de Janeiro. Após
ter abrigado diversos usos mais ou menos nobres, ficou semi-abandonado depois da transferência da capital para Brasília e foi demolido em 1976.
Pra que servia
Logo depois de remontada no Brasil, a construção sediou a 3a. Conferência Pan-Americana, durante a qual recebeu o
nome de Palácio Monroe, em homenagem ao presidente americano.
De 1907 a 1914, serviu como salão de festas da capital. Dentre as centenas
de eventos realizados, houve um baile em benefício do Monumento à Virgem Imaculada, a Convenção Nacional da Associação Cristã de Moços, um banquete
para a oficialidade da esquadra americana e até um chá dançante para jornalistas argentinos.
Em 1914, a Câmara dos Deputados mudou-se para o
palácio, porém, foi obrigada a sair oito anos depois para acomodar a Comissão Executiva da Exposição Comemorativa do Centenário da Independência de
1922.
Em 1923, o interior do palácio foi bastante modificado a fim de receber o Senado. Quando Getúlio Vargas fechou o Congresso, em
1937, o Monroe passou a abrigar o Ministério da Justiça, o Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP, o temido Departamento da Ordem Política e
Social - DOPS e a Hora do Brasil.
Em 1946, com o fim do Estado Novo, voltou a sediar o Senado, e após a mudança da capital para
Brasília, em 1960, o edifício perdeu sua importância e ficou praticamente abandonado. Abrigava apenas uma parte do Estado Maior das Forças Armadas,
alguns livros deixados pela biblioteca do Senado (no subsolo) e uma sala de reuniões para os senadores em passagem pelo Rio.
Razões
ocultas
Nessa época, tão deterioradas estavam as instalações, que o povo começou a chamar o outrora suntuoso palácio de "monstrengo".
Entre tantos imóveis abandonados ou subtilizados devido à transferência do Distrito Federal, o Monroe era um dos maiores exemplos de desperdício de
recursos com a manutenção de representação federal (Exército e Senado) na ex-capital.
Em 1976, a demolição do palácio foi precedida de
acirradas campanhas pela imprensa. As opiniões se dividiam pró ou contra a derrubada do prédio. Os motivos, para ambos os lados, versavam sobre
apreciação estética, funcionalidade, valor histórico, concepção urbanística e até a passagem da linha do metrô pelo local.
Nos bastidores da
resistência, estavam as poderosas incorporadoras que planejavam burlar a legislação específica para o local e levantar imensos edifícios de
escritórios. Ironicamente, derrubar o Monroe pode ter mantido aquela área do Centro preservada de novos espigões.
Além dos "Sérgios Dourados"
da vida, estavam de olho no imóvel o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura-CREA e seu coligado Clube de Engenharia, que pretendiam ocupar o
imóvel para uso próprio - de graça, naturalmente. Foram eles os responsáveis por parte da polêmica e pelas "avaliações" do valor arquitetônico do
prédio que colidiam escandalosamente com a opinião de renomados professores e especialistas não subordinados a estas entidades.
Também o
Serviço Nacional de Teatro (que mobilizou a classe artística contra a demolição), O Museu do Índio e a Fundação Estadual de Museus (os pesquisadores),
a Secretaria Estadual de Educação (professores e estudantes) e até a Justiça Federal (...) queriam o palácio.
Valores subjetivos
Apesar de tanta polêmica, não é fácil chegar a uma conclusão sobre o valor do Palácio Monroe como patrimônio histórico. A arquitetura era pobre e
não tinha estilo definido; era uma mistura de traços designada sob o pomposo nome de "estilo eclético".
Tampouco se caracterizava o Monroe
como antiguidade, não apenas por faltar-lhe velhice, como por ter sido deixado em tal estado de descuido que, em vez de ser designado como edificação
antiga, foi denunciado como abandonado. No aspecto histórico, com a transferência das instituições e dos seus respectivos registros (a "história" em
si) nada de significativo restou no palácio.
O valor intrínseco do projeto e da obra também foi prejudicado: o palácio, no passar dos
anos, foi completamente descaracterizado, principalmente na transformação em Senado. Segundo relato de um arquiteto da época, "só foram aproveitadas
do antigo edifício as paredes externas, tendo sido dividido o mesmo de conformidade com as necessidades do Senado. (...) A fachada foi toda
modificada, sendo tirados os excessos de ornatos, apenas pintados na cor de granito". Nem a originalidade restava.
Então, fica a
questão: por que não demolir o Monroe, um prédio abandonado, destituído de suas características originais, necessitado de uma caríssima reforma e que
despertava a cobiça de entidades e construtoras? Até sua "eclética" beleza foi motivo de controvérsias - não era exatamente um Palácio de Versailles,
não chegava nem mesmo aos pés do Palácio da Guanabara (edifício-sede do governo do RJ). E era pequeno, na verdade um palacete.
A
decisão de Geisel
Um dos fatores determinantes para que o presidente Geisel interferisse pela demolição do Monroe era a pressão contrária
que começava a receber por parte dos próprios companheiros de farda, já que as construtoras mantinham relações muito estreitas com os militares no
tempo da Ditadura e estavam ávidas por aquela nobríssima área.
Certamente também pesou na decisão a necessidade de acabar com os
símbolos das mordomias de antes da Revolução de 64, do qual o Senado carioca era um dos mais perfeitos exemplos - tinha até um requintado esquema de
prostitutas oficiais, instaladas em dois andares no prédio em frente.
Entre as várias afirmações inflamadas contra a demolição do Palácio
Monroe, uma versão mirabolante especula que o presidente Geisel teria sido preterido numa promoção no Exército, em favor do filho de Souza Aguiar
(construtor do Monroe), e que por vingança pessoal mandara derrubar o palácio. E dá-lhe xingamento contra o milico, classificado como "destruidor do
Rio" e coisas semelhantes.
Esquecidos estão que foi o velho general quem salvou o Hotel Copacabana Palace de ser demolido pelas
construtoras, que, como sempre, planejavam a construção de alguns milhares de apartamentos à beira-mar. O hotel sim, tem antiguidade, conservação,
arquitetura, dimensão e história, tudo o que faltava ao Palácio Monroe. Mas, curiosamente, este ato tão importante de preservação não encontra espaço
na memória carioca. Que injustiça!
Recomendo a visita ao site http://www.nitnet.com.br/~rodcury/dissertacao/sumario.htm onde
encontra-se um trabalho completo e imparcial sobre a demolição do Palácio Monroe, com fotos, simulações e animações inéditas. Celso Serqueira | |
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