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Mapa: Plan de La Ville de Rio de Janeiro avec le tracé des travaux projetés par le

prefét Dr. F. P. Passos et par le gouvernement Fédéral - Bilac, Passos & Bandeira, 1904

(região do Castelo, Av. Rio Branco e Cinelândia)

 

DESCONSTRUINDO O RIO

(Parte 2 de 2)


Metendo a mão

Entre algumas curiosidades sobre o Prefeito Pereira Passos, sabe-se hoje que ele ganhou muito dinheiro com a reforma carioca, pois os milhares de toneladas de madeira usados nas obras foram fornecidos com exclusividade pela serraria dele (só as fundações do Theatro Municipal levaram 1.180 toras de madeira de lei). 

Embora realizada sob a justificativa de limpeza (inclusive étnica) do Rio de Janeiro, de prevenção a doenças, de arejamento e de modernidade, a Reforma Passos teve o lobby de interessados poderosos na sua realização, como os bancos, governos e empresas ingleses e franceses, que financiaram e executaram a gigantesca e lucrativa obra, além de explorarem os meios de transporte e concessionárias de água, saneamento, energia elétrica e gás cariocas após a conclusão do projeto. 

Empréstimos ingleses para esta reforma e, depois, para o desmonte do Morro do Castelo (quando outro prefeito, Carlos Sampaio, também levou a maior grana) oneraram ainda mais a nossa dívida externa. Os brasileiros vêm pagando a beleza carioca há mais de um século.

No episódio da construção do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, nem houve o cuidado de disfarçar a mutreta. Fez-se um concurso público para selecionar a melhor planta para a instituição, e saiu vencedora a proposta art-noveau de Arquimedes Memória e Heitor de Mello; entretanto, o projeto escolhido para ser construído foi o segundo colocado, uma arquitetura eclética, baseada (de novo!) na Ópera de Paris, em nome de Francisco de Oliveira Passos - filho do próprio prefeito Passos. 

Sim, foi isso mesmo. O projeto vencedor foi preterido para favorecer o filho do prefeito, que, comentou-se na época, apenas teria alugado seu prestígio familiar para garantir a seleção da proposta. Realmente, chama a atenção que ele seja o único sobrenome brasileiro entre os demais envolvidos na execução do projeto: Albert Guilbert, Antonio Raffin, Charles Peyreten, Emílio Bien e J. Personne, chefiados por René Barba. 

Bilac, um amigão

Consta que entre outras "qualidades", Pereira Passos era boêmio, mulherengo, grosso, autoritário. Mas era leal aos seus companheiros e gostava de articular profissionalmente com eles. Era um sujeito que protegia a sua patota. 

O jornalista e poeta Olavo Bilac, por exemplo, seu dileto amigo, participava de vários empreendimentos oficiais como consultor de qualquer coisa ou de quase tudo. Por exemplo, foi um dos "idealizadores" do Theatro Municipal e, anos depois, o orador oficial na noite da inauguração. 

Na ânsia de sentir-se poderoso e de beneficiar seus parceiros, engenheiro Passos freqüentemente extrapolava o exercício da prefeitura e tomava atribuições de presidente do País. Um dos episódios mais grotescos que demonstram a sua interferência indevida na esfera federal foi quando encomendou ao seu camarada Bilac (sempre ele) a letra do Hino à Bandeira... Nacional. 

Noutra oportunidade, sabe-se lá com qual fantástica justificativa técnica, contratou ao poeta um serviço de cartógrafo: nada mais nada menos que o mapinha que mostramos ali em cima, apresentado num catálogo com o título "Guide des Etats-Unis du Brésil, Rio de Janeiro". 

Por sua vez, o poeta tinha a colaboração dos escritores Guimarães Passos e Bandeira Júnior, companheiros de copo, de papo, de Academia e de jabá: os três compunham a firma Bilac, Passos & Bandeira, que prestava serviços ao governo. Qualquer serviço. Mas isso já é outra história.

 

"E tão certo, Sr. Juiz, tão seguro estou de que, escrevendo e publicando o artigo que faz objecto da queixa, não só exerci um direito, como cumpri um dever (...) O Prefeito Passos é um funccionario violento, cujos actos são de um cynismo revoltante, porém que elle é um ladrão. Tão ladrão que procurou advogado para requerer uma concordata com os credores e no entanto ficou rico na Prefeitura. 

Tão ladrão, que as festas offerecidas em sua residencia particular e os mimos dados às diversas Tinas di Lorenzo, a que andou arrastando as azas depennadas e os pés tropegos de gallo velho e gosmento, até as contas das maravilhas e marrons comidos, e dos Chambertins e Cliquots entornados, foi tudo pago pelos cofres municipaes. "

Advogado Pedro Tavares em contestação ao processo por injúria 

promovido pelo Prefeito Engenheiro Pereira Passos

[Brenna, Giovanna (1985), O Rio de Janeiro de Pereira Passos]

 
Celso Serqueira