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Mapa Brazil with Guiana & Paraguay - David H. Burr, New York, 1835

TUPÃ SALVE A RAINHA!

A região amazônica sempre despertou a cobiça de países estrangeiros. Se no século 16 os exploradores ainda procuravam as riquezas da floresta, hoje não há dúvida de quais são elas e onde estão. Do ouro e prata daquela época à biodiversidade e minérios radioativos de hoje, a Amazônia parece mais atraente do que nunca ao mostrar para o mundo o maior tesouro deste século: a água potável. 

O curioso é que, embora hoje rejeitemos a proposta de internacionalização da Amazônia, no tempo do Império agimos de forma contrária e chegamos a pedir aos estrangeiros que tomassem a região. Isso aconteceu no século 19, quando a Inglaterra teve a possibilidade real de se apossar da região em atenção a um pedido sigiloso do representante do governo imperial brasileiro, regente Diogo Antônio Feijó. 

Conspiração imperial

O Regente Feijó solicitou e autorizou que tropas britânicas, portuguesas e francesas invadissem o Pará e combatessem os nativos na revolta da "Cabanagem". A soberania nacional que fosse pra cucuia.

Se o plano fosse aceito, os estrangeiros poderiam matar cidadãos brasileiros em pleno território brasileiro, com conhecimento e aprovação do governo nacional, e nada os impediria, na realidade, de conquistarem o território. A Cabanagem foi a mais sangrenta rebelião brasileira e nos seus cinco anos tombaram de 15% a 20% da população regional (equivalem hoje a dois milhões de mortos).

A conspiração foi no dia 17 de dezembro de 1835. Os embaixadores da Inglaterra e da França, Fox e Pontois, chegaram à sede do governo brasileiro, no Rio de Janeiro, para uma audiência secreta e confidencial convocada por Diogo Antônio Feijó, que governava o Brasil como regente, em nome do ainda jovem D. Pedro II.

Feijó comunicou aos embaixadores o que já havia dito aos portugueses: esperava reunir no Pará, até abril do ano seguinte, uma força de aproximadamente três mil homens para retomar o controle da capital e das áreas próximas a Belém, em poder de rebeldes. 

Perseguindo "piratas"

As tropas estrangeiras chegariam a Belém "como que por acaso", recebendo autorização para permanecer em território nacional, e seriam mantidas de prontidão "para cooperar com as tropas brasileiras em prol dos interesses gerais da humanidade e da civilização". Feijó advertiu-os de que, caso viesse a público, "a proposta será desmentida de imediato e a culpa pela intervenção não-autorizada será atribuída às respectivas potências estrangeiras".

O pedido foi oficialmente recusado pelos três países porque ia contra a Constituição Brasileira. Mas enquanto França e Portugal confirmavam o respeito a nossa Carta Magna e não se envolviam, a Inglaterra blefava e agia por baixo dos panos: no mês indicado por Feijó - abril - enviou três navios de guerra ao Pará, sob o pretexto de estarem perseguindo piratas que atacaram uma embarcação britânica cinco meses antes.

Quando os ingleses chegaram à Belém, entretanto, a situação estava praticamente sob controle pelas forças imperiais e os soldados não precisaram intervir, atuando apenas de forma ostensiva. E como aquele mundão de floresta era inútil para eles naquele momento, ao acabar a rebelião os britânicos foram para Barbados, onde tinham interesses econômicos imediatos.

E foi assim, por muito pouco, que deixamos de ter nossos papagaios cantando "Deus Salve a Rainha"!

(fonte principal: Museu Emílio Goeldi, Belém - PA, a partir da documentação  recentemente descoberta pelo antropólogo David Cleary no arquivo do Publics Records Office, em Londres, contendo a correspondência travada no período de 1835 a 1839 entre a embaixada, o Ministério das Relações Exteriores e o Almirantado Britânico.)

Celso Serqueira