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Detalhe do mapa de Avignon, França, de Sebastian Munster, in Cosmographia - 1575 

O PAPA DO BUNDALELÊ

Nossa aventura começa no século 14, quando o Papa Bonifácio VIII se opôs a pagar os impostos devidos pela Igreja e, por isso, entrou em cana a mando do poderoso rei Filipe IV, o Belo, da França. 

O pontífice sonegador morreu na masmorra pouco depois, e o sucessor Benedito XI não durou nem um ano, fatalidade que desestabilizou a cúpula católica. Tirando proveito da confusão, o rei manipulou a votação do novo papa e conseguiu eleger o seu patrício Bertrand de Got, arcebispo de Bordeaux, que adotou o nome de Clemente V e passou a ser "pau mandado" do monarca. 

Foi por exigência de Filipe IV que em 1309 esse papa transferiu a sede internacional da Igreja da cidade de Roma, na Itália, para a medieval Avignon, no Sul da França, onde permaneceu por 68 anos, e dissolveu a rica e poderosa Ordem dos Cavaleiros Templários. O submisso Clemente V morreu comendo esmeraldas em pó, receita médica da época para amenizar as dores gástricas.

Dos sete papas e três antipapas que reinaram em Avignon, o mais controvertido foi o francês Clemente VI, eleito aos 51 anos de idade. Nenhum outro esbanjou tanto dinheiro nem se divertiu como ele. Quando subiu ao trono, devia uma fortuna por seus gastos pessoais e pagou tudo com o dinheiro da Igreja. Sua ascensão foi considerada uma benção para os credores e os fornecedores, a quem costumava pagar bem e acrescentar elevadas gratificações. O humanista italiano Petrarca, horrorizado com os desmandos daquele pontificado, declarou que Avignon era "uma nova babilônia". 

Clemente VI mandou reformar e ampliar as instalações pontifícias e decorá-las ricamente pelos melhores artistas e artesãos italianos. Em seguida, comprou toda a cidade - um feudo da rainha Giovanna di Napoli - por 80 mil florins. Avignon permaneceu como propriedade papal até 1791, quando foi integrada à França pela Revolução Francesa.

O banquete de coroação de Clemente VI foi assombroso (prepare o Sonrisal): 1.023 carneiros, 914 cabritos, 118 bois, 101 vitelos e 60 porcos. E mais: 7.048 frangos, 3.043 galinhas, 1.146 gansos, 1.500 galos, 300 lúcios (tipo de peixe) e quinze enormes esturjões. Como sobremesa principal, 50.000 tortas que levaram 39.000 ovos e 36.100 maçãs em sua elaboração. Foram usadas toalhas de linho, louças finíssimas e talheres de ouro que pesavam 196 quilos, embora a maior parte dos convivas tenha comido com as mãos, como precaução contra eventuais agressões à faca e garfo no caso de alguma discussão à mesa.

Centenas de banquetes faustosos marcaram o reinado de Clemente VI, que exigia certa ordem na apresentação de pratos: primeiro os caldos ou cozidos, depois as outras elaborações, como os monumentais assados de boi ou javali cozidos inteiros. Durante a refeição, exibições de saltimbancos e jograis, concertos e danças. Encerrando o banquete, presentes caros para todos os convidados e sobremesas divinas.

A circulação de tanto dinheiro provocou uma ida em massa de mercadores, alquimistas, contrabandistas, aventureiros, negociantes e prostitutas. Cerca de 4 mil pessoas assediavam a corte papal, principalmente os bancos, interessados nas fortunas canalizadas pelas esmolas e venda de indulgências. De pequeno burgo medieval, Avignon tornou-se a cidade mais importante da França e grande centro comercial e financeiro. Mais que uma babilônia, era uma festa, um tremendo bundalelê. Clemente VI morreu em 1352.

Notas

1) O grande cisma do Ocidente - Entre 1378 e 1417, ocorreu uma divisão na Igreja Católica por causa de dois papados rivais, em Roma e Avignon, questão que foi solucionada com o pontificado de Martinho V.

2) O famoso vinho Châteauneuf du Pape, significando "o novo castelo do Papa", tem o seu nome da nova residência do antipapa em Avignon.

3) Fonte principal: Livro " A Canja do Imperador", de J. A. Dias Lopes. Recomendo!


Celso Serqueira